segunda-feira, 14 de novembro de 2011

Considerações sobre a organização do tempo e do espaço na Educação Infantil


 Diversas pesquisas realizadas recentemente apontam para o fato de que a organização do espaço e do tempo escolar se traduzem como elementos significativos no alcance de certas metas e objetivos educacionais e que os mesmos traduzem intenções pedagógicas, ainda que indiretamente. A esse respeito, Freitas (2004) afirma que

...o espaço e o tempo escolar não são aspectos neutros, que não tenham intencionalidade, e se devidamente pesquisados, revelam as construções teóricas que estão subjacentes às práticas de educação e de ensino escolares...” (p. 10).

Isto quer dizer que, a forma com que a disposição física da escola, bem como o uso que se faz dos espaços escolares, e ainda, a forma com que se organiza o tempo das crianças e das atividades diariamente realizadas por elas, refletem de alguma forma, a visão que a professora tem de criança, de educação e de mundo, e interferem significativamente no trabalho que é realizado no interior dessas instituições.
Os estudos mais recentes também afirmam que a escola, que antes se alicerçava sobre o princípio do conhecimento, agora se voltava mais para o princípio da socialidade e, portanto que as escolas devem organizar seu trabalho pedagógico no sentido de promover essa socialidade. Assim, segundo Miranda (2005)

Isso implica mudar o conceito de escola [...] que deixa de ser orientada por um critério, digamos iluminista, de que a emancipação dos indivíduos deva ocorrer mediante a aquisição de conhecimentos, saberes, técnicas e valores, passando a orientarem-se por uma noção de socialidade […]. O importante é que os alunos permaneçam na escola, disponham de tempo e de espaço para que possam desfrutar o que ela possa lhes oferecer, inclusive a oportunidade de adquirir conhecimentos, mas não apenas isso ou não fundamentalmente isso: que eles possam viver ali e agora uma experiência de cidadania, de convivência, de formação de valores sociais...” (p. 642-643).

Ainda segundo Miranda (idem), a organização dos tempos e dos espaços escolares precisam levar em consideração as especificidades inerentes à idade das crianças com que se trabalha, colocando-se estas categorias a serviço de uma prática pedagógica que valorize a criança, bem como a relação destas com com seus pares e/ou com as coisas e situações que a cercam.
No entanto, é comum na nossa prática nos depararmos com instituições de Educação Infantil que organizam os espaços e tempos escolares em favor dos adultos ali presentes e não das crianças, negando às mesmas, o direito de brincar e de construir culturas infantis junto aos seus pares. Nós mesmos, na maioria das vezes influenciados pelas nossas próprias vivências escolares acabamos por reproduzir práticas de escolarização que visam única e exclusivamente o aprendizado da cultura letrada .
Nesse sentido, organizar os tempos e espaços escolares de forma diferenciada seria possibilitar às crianças uma forma única de compreendê-los e sentí-los, considerando suas necessidades mais íntimas bem como as do grupo a que se está inserido.
Portanto, falar sobre a organização dos espaços e dos tempos na Educação Infantil, se refere à necessidade de (des)organizá-los. Isto é, o tempo e o espaço na/para a educação de crianças pequenas deve ser pensado sob uma outra ótica, diferenciada da educação no Ensino Fundamental, assim, como da educação no âmbito familiar. Nas palavras de Faria (2003),
Uma pedagogia da educação infantil que garanta o direito à infância e o direito a melhores condições de vida para todas as crianças (pobres e ricas, brancas, negras e indígenas, meninos e meninas, estrangeiras e brasileiras, portadoras de necessidades especiais etc.) deve, necessariamente, mediante nossa diversidade cultural e, portanto, a organização do espaço, contemplar a gama de interesses da sociedade, das famílias e prioritariamente das crianças […]. Cada grupo de profissionais de uma determinada instituição organizará o espaço de acordo com seus objetivos pedagógicos, de modo a superar os modelos rígidos de escola, de casa e de hospital. Assim, a pedagogia faz-se no espaço e o espaço, por sua vez consolida a pedagogia...” (p. 69-70).

Assim, a organização espaço-temporal nas creches e pré-escolas deve acontecer de forma indissociável. Isto é, da mesma forma com que os espaços precisam ser organizados para a criança, é necessário que também se (des)organize o tempo nessas instituições, de forma a contribuir na/para a construção de uma prática educativa que tenha a criança como centro de todas as atenções e ações.
Sobre a questão da organização do tempo, Gariboldi (2004) afirma que

A organização do tempo cotidiano na pré-escola é geralmente pensada em relação à duração total das atividades de rotina, das atividades didático-educativas e das situações de brincadeira livre [...] em relação ao equilíbrio entre os três diferentes tipos de situações: as rotinas não deveriam ocupar a maior parte do dia, as atividades educativas deveriam garantir uma variedade de experiências cotidianas, o dia não deveria ser tão rigidamente estruturado a ponto de não deixar espaço para os interesses individuais ou então, ao contrário, o dia não deveria ser tão desprovido de planejamento educativo a ponto de ser essencialmente caracterizado como uma longa situação de brincadeira livre de tipo recreativo...” (p. 97).

O que vivenciamos, no entanto, é justamente o contrário. É comum as práticas da rotina tomarem grande tempo no período que a criança permanece na escola. É também rotineiro verificarmos que as situações de brincadeira são desprovidas de qualquer planejamento ou intencionalidade ou, ao contrário disso, que o lúdico não não esteja encorporado às situações didático-educativas.
É importante salientar que as pesquisas apontam para uma não separação entre as atividades pedagógicas, as livres e de rotina. É portanto essencial dizer que não é possível dissociar os momentos de rotina, dos de brincadeira e das planejadas antecipadamente. Assim, ao mesmo tempo que se brinca, diversos conhecimentos são construídos, ou então, que as situações previamente planejadas, de rotina e/ou de cunho pedagógico sejam também situações de brincar. Isto quer dizer que, os tempos na Educação Infantil não devem ser rígidos, nem serem organizados separadamente entre rotinas, brincadeiras livres e atividades pedagógicas, mas, por outro lado, devem estar dispostas segundo as necessidades das crianças e das famílias.
Finalmente e para concluir, é importante ressaltar que os espaços e tempos na Educação Infantil devem ser organizados, de forma a favorecer “... uma pedagogia das diferenças, uma pedagogia das relações, uma pedagogia da escuta, uma pedagogia da animação...” (Faria, op cit, p. 80) e, desta maneira, uma prática educativa voltada para as crianças, centrada nas crianças, que valorize e oportunize a construção das culturas infantis, e desta maneira, garantindo o direito à infância.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

FARIA, Ana Lúcia Goulart de. O espaço físico como um dos elementos fundamentais para uma pedagogia da educação infantil. In: FARIA, Ana Lúcia Goulart de. e PALHARES, Marina Silveira (orgs.). Educação Infantil pós LDB: rumos e desafios. Campinas, SP: Autores Associados, 2003, p. 67-99.

FREITAS, Luis Carlos. Prefácio. In: BONDIOLI, Anna (org.). O tempo no cotidiano infantil: perspectivas de pesquisa e estudo de caso. São Paulo: Cortez, 2004, p. 9-10.

GARIBOLDI, Antonio. Os tempos cotidianos na pré-escola: as formas da sociabilidade. In: BONDIOLI, Anna (org.). O tempo no cotidiano infantil: perspectivas de pesquisa e estudo de caso. São Paulo: Cortez, 2004, p. 97-119.

MIRANDA, Marília Gouvêa de. Sobre tempos e espaços da escola: do princípio do conhecimento ao princípio da socialidade. Educação e Sociedade. São Paulo: n.º 91, p. 639-651, 2005.